ontem duas horas no centro cultural de belém chegaram para perceber como
há momentos felizes na vida e como é bom senti-los.
ontem, júlio resende, o pianista, que a par de bernardo sassetti, aos
quais juntamos, em várias músicas, pinho vargas e jorge salgueiro, nos fazem
elevar e cair de cabeça na profundidade sublime das suas músicas, tocadas por
dedos feitos de almas cheias, conseguiu transmitir e oferecer, numa entrega alucinante,
sincera e apaixonada, aos milhares que o ouviram, a felicidade.
ontem não foi só, portanto, júlio resende que estava feliz, que
agradeceu de viva voz repetidamente a alegria daquele momento, vivido na
companhia de quem quis convidar na partilha da noite. o público aplaudiu de pé
interminavelmente até mais não poder, e eles, os cinco músicos participantes no
concerto, agradeceram também, no que a certa altura, pelo inexorável do fim, já
sem música mas num visceral reconhecimento, se traduziu nas palmas de todos e
num pezinho de dança a cheirar a samba que moreno veloso ensaiou. alegres,
descontraídos e muito mais aconchegados, saímos todos e todos rumámos a casa
com a música e as vozes ouvidas no nosso íntimo.
de olhos fechados e cabeça curvada nas teclas, através de mãos
teleguiadas, júlio resende inebriou-nos num fado escavado em novos tons. e nós,
também de olhos fechados, por ali fomos naquela visão original do júlio nos dar
o fado e mais. de facto, no novo disco chamado fado &further, o fado alarga-se a muito mais. com a incorporação
da guitarra portuguesa e da bateria ganha novos ritmos, novas cores e novo
encanto.
na primeira parte do concerto o solo de resende levou-nos na liberdade
da sua improvisação, vinda de deus ou de uma loucura espontânea da sua alma
contagiante . Já na segunda parte, júlio resende convidou amigos e juntou
músicos do brasil, espanha e portugal em originais sons e tons, que só enganosamente
parecem ser contrastantes. à voz autêntica e extraordinária de sílvia pérez
cruz, cantora e música que é na actualidade um fenómeno em espanha, juntou-se
moreno veloso que canta cada palavra com toda a ternura do mundo. sílvia
intensa, vibrante e comovente, levanta o público em palmas e gritos, e moreno,
límpido e inspirador, devolve-nos uma esperança ausente.
quem no ccb ontem esteve também se enterneceu pela invocação de amália
num dueto inimaginável. a normalidade que júlio resende desejou nesta sua
interpretação foi de uma beleza rara, de uma excepcionalidade contida.
ontem júlio resende prendeu-nos do primeiro ao último minuto, numa
paixão única à sua música. como ele próprio afirmou a certa altura, as boas
músicas, as verdadeiras músicas, acrescentamos, não nos cansam e quanto mais
ouvimos, mais gostamos, e ouvimos e gostamos, e tornamos a ouvir e gostamos, e
ouvimos e voltamos a ouvir e sempre gostamos.
o dueto com amália rodrigues há muito que pertence às músicas para ouvir e repetir neste blogue.
sílvia pérez cruz - cucurrucucú paloma
50 HEINEKEN JAZZALDIA 2015
sílvia pérez cruz - abril 74
moreno veloso -solo in tóqyo
Sem comentários:
Enviar um comentário