acontece-nos
por vezes na nossa existência quotidiana em que somos compelidos para um modo
de viver apressado entre casa e trabalho e demais tarefas ordinárias em que
estamos embrenhados, sermos confrontados com determinadas realidades, mais
marcantes se forem contadas em primeira mão, numa prova cabal de vidas duras e
quase sempre injustas. vida ou vidas que de súbito nos deixam impressionados, curiosos,
tristes, mas também, quero crer, revoltados e indignados. é pois por um
testemunho que me foi passado que esta crónica acontece.
propositadamente começarei com as palavras do falecido historiador
hobsbawm, escritas noutro contexto, que servem para em parte explicar a carga
emocional que este testemunho deixou a quem mo contou, porque de facto “ as
palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos”. falam
mais alto que os relatos em jornais e até mesmo de imagens na televisão ou
internet. as próprias palavras proferidas por quem passou por horrores, por
angústias, por medos indescritíveis, soam-nos como sentenças, no sentido de
constituírem opinião justa e fundamentada e uma verdade esmagadora, verdade
esta que nos larga depois em queda livre num sonho de uma esperança a renascer,
porque diante de nós está alguém que à força da perseverança e coragem, luta
para não emigrar da própria vida em si já exaurida.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZzO-LuyXT0gKVjjldKqdy5AJMYA08mXcDEF4RXZ-06tHSnrQ12K9mheJOoTMMPzhoGtPKwL9xFU5g-kQ7tfzfvU1KrHpfUCFgjoJLXRIhSH_Pg9wT1b8hRP3yN0bPQrW-Ujiglrs/s320/15245145%255B1%255D.jpg)
conturbados são os tempos de hoje e conturbadas são por isso as vidas
de milhões de pessoas. hoje poderosamente somos confrontados com os atentados,
ubíquos, e com o drama, para escolher a palavra provavelmente mais aplicada
quando os refugiados são o tema. e o testemunho que me chegou foi precisamente
de uma refugiada da síria. podia ter sido da somália, do mali da ucrânia, da
palestina, do iraque, do afeganistão, do paquistão, da líbia, da eritreia, da
nigéria e de mais um punhado de países que sofreram a guerra, sofrem ou que a
vão sofrer ainda. são ao todo, nas estimativas da nações unidas, mais de 60
milhões as pessoas de todo o mundo que se encontram deslocadas devido a
conflitos armados ou perseguições, religiosas e políticas, na maioria dos
casos. destes, mais de 20 milhões procuram asilo noutro país. asilo, aí está
uma palavra que nos tempos que correm não significa exactamente uma protecção
para quem necessita talvez por se saber que asilo não significa cidadania
plena, igualdade plena, direitos plenos, justiça plena. se não veja-se o que
acontece em países ditos civilizados como a dinamarca que aprovou em parlamento
o confisco dos bens dos refugiados com valor superior a 1340 euros ficando ainda a porta aberta
para as autoridades policiais passarem a ter agora licença para revistar tudo e
todos à procura de valores escondidos e não declarados. mas também a suíça já
fica com todos os bens que ultrapassem os 900 euros, a alemanha pensa seguir
caminho idêntico e na holanda, o estado arrecada 75% do salário dos refugiados
que são autorizados a trabalhar para pagar alojamento e alimentação.
voltemos à realidade da síria, onde um terço da
população foi forçada a fugir, mais de sete milhões de pessoas, tal como aconteceu
com o testemunho que me chegou. teve que fugir ilegalmente, e como muitos, fez
uma travessia no “deserto” do mediterrâneo, onde já morreram milhares de pessoas,
chegou à grécia, continuou a fugir até à macedónia e como ninguém a olhou, lhe deitou
a mão, deu-lhe abrigo ou tirou-lhe a fome, continuou a sua fuga. chegou à sérvia,
com fronteira fechada, seguiu rumo à hungria, que lhe negou também entrada da
forma mais brutal, com arame farpado. a este saltou e à polícia, logo de
seguida, teve a jovem mulher síria de correr floresta dentro para fugir de
novo. sempre de fuga em fuga, sem saber e compreender os porquês profundos
daquela correria louca.
hoje
as notícias dos refugiados não são diferentes das de ontem, nem as de amanhã
serão distintas. as imagens e palavras repetem o sofrimento, a morte e muito
desespero. hoje sabemos que várias são as fronteiras (eslovénia, sérvia,
croácia, macedónia ), mais vezes fechadas do que abertas, que impõem restrições
à passagem dos refugiados, agravadas pelo rol de formalidades de identificação
e registo por que são obrigados. penso que sabemos de tudo isto mas talvez
sejamos menos a saber que vários são os estados de proximidade geográfica com a
síria que nos trazem notícias não de integração de refugiados, mas de
financiamento, recrutamento e treino, precisamente a quem tenta destruir a síria.
é público o apoio da arábia saudita, do qatar e emiratos, por exemplo, ao isis.
e da turquia, que recebe fundos da união europeia para servir de tampão à
entrada de refugiados, e que sob o pretexto desse tampão, tem ao longo dos
tempos deslocado civis e combatentes curdos, colonizando a fronteira norte da síria,
enfraquecendo ou terminando mesmo com o apoio e interligação existente entre as
populações curdas sírias, mas também iraquianas e turcas, que têm constituído
eficaz oposição aos grupos radicais islamitas.
ler aqui crónica integral de martahluís 2016
https://files.acrobat.com/a/preview/9c966fe5-bde0-49a1-a777-b0f9d8e5f242
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