Se a nossa imprensa desportiva nunca se interessou verdadeiramente pelo Desporto, os “desportistas portugueses”, que leem, veem e ouvem desporto ainda menos. É um ciclo vicioso difícil de quebrar na medida em que mexe com aquilo que cada uma das partes pede – mais jornais vendidos e mais futebol fora das quatro linhas. Mas certo é que continuamos a falar de programas desportivos, imprensa desportiva. Todavia, de Desporto enquanto área abrangente nas suas finalidades (educativas, políticas, psicossociais, rendimento, formação, etc.) fala-se e escreve-se muito pouco.
Do que se fala, na minha opinião, é do mau Desporto. Daquele Desporto em que, uma vitória nunca é justa, uma derrota que é sempre culpa de alguém, a tensão é sempre combustível explosivo para comportamentos tempestuosos, a manipulação arma da vitória, o confronto verbal fogo de dispersão, as apostas desportivas a essência do jogo, os conflitos entre agentes desportivos o provincianismo competitivo, a violência a materialização de tudo o resto. Tudo isto preenche a lista de ingredientes de uma ideia economicista e competitiva onde ganhar menos vezes é caminho para ser último (embora ganhar sempre ainda esteja para acontecer).
E se ainda quisermos falar em mais Desporto podemos transportar muito do que acima referi para o Desporto Juvenil. Neste contexto as más decisões dos árbitros são culpa do presidente da associação, as dificuldades técnicas do jogador que cai é culpa daquele que está em pé e onde outro ciclo vicioso ganha raízes – Queremos agir, como os adultos, no desporto para crianças e falamos desse desporto como algo educativo. Neste ambiente caminhamos para criar condições sustentáveis para destruir o que poderá restar de bom Desporto.
Recentemente um pequeno e significativo gesto escrito trouxe-me à flor da mente a ideia de que há que fazer perdurar o Bom Desporto. E nesse sentido, há que fazer o possível para não cairmos na tentação de colocarmos o pior dos nossos comportamentos ao serviço de justificar a sofreguidão por ganhar. Como se ganhar ou perder fossem justificações plausíveis para deixarmos de preparar bem as sessões de treino com jovens, investirmos em darmos melhores correções para os nossos jogadores, prepararmos um jogo como se preparássemos um teste de avaliação na escola (criar condições para podermos avaliar os progressos de que quem quer crescer no bom desporto), criarmos uma química de grupo que entusiasme os nossos jogadores, valorizarmos as ações bem executadas ou as decisões que há procurávamos que acontecessem no jogo. E se no final pudermos cumprimentar o treinador adversário agradecendo-lhe o que fez para aquela competição permitir uma boa evolução ou uma excelente oportunidade de podermos vir a ser melhores, então estamos a falar de um Desporto Melhor.
A pressão no Bom Desporto não se assemelha à pressão do Desporto de Rendimento, nem do Mau Desporto. Mas a natureza humana parece não a estar a ser capaz de desencadear uma consciência coletiva que consiga blindar o Bom Desporto. Perante esse contágio o Bom Desporto pode vir a dissipar-se silenciosamente, tal como se dissipam agentes de enorme valor humano e que deram fortes contributos para preservar uma visão sã da atividade desportiva. Na mente de muitos o Bom Desporto será sempre o dos truques, dos berros sem conteúdo, do rendimento esmagando a aprendizagem, da dedicação apenas aos “melhores”, duma visão muito centrada no hoje.
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