Com as sondagens a darem a vitória a Hillary Clinton ninguém queria acreditar ontem que tivesse sido Donald Trump a ganhar. Para muitos triunfou o que deveria ter perdido, o impossível na américa aconteceu. As visões catastrofistas e extremadas espalharam-se de imediato. Afinal qual o medo que esconde esta agitação? Marsuilta tentará nos próximos dias encontrar as melhores explicações para estas eleições, como também para o futuro. Hoje fica um texto de marta h luís para reflexão.
Trump presidente dos EUA
Acordei com a confirmação da notícia vinda da madrugada: Donald Trump
será o próximo presidente dos Estados Unidos da América.
Acordei com comentadores excitados e em choque pela vitória de Trump.
Não me surpreendi, afinal assim acontecera recentemente com o brexit na Grã-Bretanha. Assim costuma
ser em habituais casos de ruptura com o sistema. ontem nas eleições dos EUA
houve uma ruptura pelo menos com um certo mundo pseudo-intelectual, um mundo de
uma classe de especialistas com uma educação orientada por uma etiqueta
semelhante que nos comanda e responde a todas as nossas dúvidas e
interrogações. Esta classe de académicos-burocráticos, gente bem vestida,
aparentada e de boas companhias, deseja comandar a nossa vida e sem esforço
movimenta-se com à vontade nos meios de comunicação social e outras instâncias
representativas do poder, para nos dizer o que comemos, o que fazemos, o que
falamos, como pensamos e, também neste caso, como votamos. Esta classe perdeu
sem dúvida ontem com a vitória de Trump.
Por ventura seria motivo de espanto e reflexo de uma evidente
irresponsabilidade individual se aqueles a quem chamo classe de especialistas
pseudo-intelectuais soubessem que não fiquei mais preocupada depois do triunfo
do republicano Donald Trump, como também não estaria mais descansada acaso
Hillary Clinton tivesse ganho, como para meio mundo era impossível de não
acontecer. E desde logo por uma questão de princípio. Ora vejamos: descansaria
eu por saber que não é pelos comentários ou discursos mais ou menos xenófobos de
Trump, as suas ideias sexistas, populistas, e uma dita ignorância e
incapacidade para exercer um cargo de tamanha responsabilidade como ser
presidente dos EUA, que estão por detrás das razões para o establishment liberal não o querer e tanto odiar e criticar? Ficaria,
ao invés, mais descansada por saber que as instâncias do poder americano,
nomeadamente a CIA, o Pentágono, a Casa Branca, mostraram elevada preocupação
pela hipótese de Trump ganhar? Nem descansada, nem angustiada, continuo sim
apreensiva e receosa pelo sinal de inquietação manifestado pelo poder
estabelecido nos EUA, porque ele me permite perceber melhor o que está em jogo
nestas eleições. O que os preocupa não são pois as ideias de uma possível
política interna de Trump, o que os preocupa, é se o seu domínio no mundo se
perde, ou esvanece. Por acaso alguém ouviu ou leu nos meios de comunicação
social que Trump, num dos seus discursos, referiu que “seria óptimo se nos entendêssemos
com a Rússia”. O que os incomoda é sentirem a possibilidade (mesmo ao fim do
túnel) de Trump efectuar algum acordo com o inimigo número dos EUA – Putin e a
Rússia, e quiçá com a China. O que os incomoda, são as declarações do
presidente russo ao afirmar que o seu país está pronto e “disposto a
restabelecer por completo as relações com os EUA”. Esta possibilidade de
discussão da paz e não da guerra é que os preocupa e agita. Todo o espectáculo
de hoje dos mercados, as declarações de vários governantes, exemplos vindos da
Alemanha e da França, da União Europeia, através de Juncker e Tusk, surgem
naturalmente e em catadupa logo após o conhecimento dos resultados eleitorais.
as visões catastróficas da américa, as visões de um mundo que vai desabar, são
sinais do desnorte reinante. O habitual.
Para definitivamente, espero, ficar esclarecida a questão da minha preocupação,
ela não cresceu com Trump, porque as acusações a Trump não são maiores do que o
racismo e extremismo de Hillary e Bill Clinton, aliás, deles temos exemplos
reais, como a política de guerra contra os afro-americanos aquando a reforma da
segurança social promovida por Bill Clinton na sua presidência, já lá vão 20
anos, ou de Hillary, na sua missão intervencionista no médio oriente, como secretária
de estado de Obama, ou os seus comentários tão infelizes em directo quando soube
do assassinato de kadafi, na Líbia, ou ainda, em conjunto com o seu marido, no
apoio à guerra contra a Jugoslávia e o consequente ataque e derrube de Milosovic.
Este, dito ditador e culpado de massacre e genocídio de milhares de pessoas, veio
a ser ilibado recentemente (infelizmente para si depois de morto) dos seus
crimes pelo mesmo tribunal internacional penal de Haia, que o tinha culpado, criado
pelos EUA, precisamente para julgar antigos dirigentes daquele país, provando
precisamente que Slobodan Milosovic teria agido e defendido a paz e nunca a
guerra. A tudo isto há ainda a somar o peso da desconfiança sobre a conduta e
comportamento corruptos de Hillary e do seu partido (fraudes e lavagem de
dinheiro), como também, o seu envolvimento, enquanto secretária de estado, de
forma indirecta (através de pressões sobre o Quatar e Arábia Saudita) no
financiamento do ISIS. Através da wikileaks
Assange acusa Hillary de mentir aos americanos nesta matéria, e mostra-o pela publicação
do teor dos seus emails pessoais. Como poderia eu ficar descansada?
Reclamo nesta altura a presença de Paul Krugman, nobel da economia e
colunista fiel do New York Times, a quem coloco no saco daqueles a quem
apelidei de classe pseudo-intelectual. Reclamo-o, porque especialista como é,
pode-nos apresentar uma explicação para o sucedido. Ao lê-lo bem cedo,
denoto-lhe um turbilhão de emoções e muita desilusão pela vitória de Trump, ou
será antes pela derrota de Hillary? De Trump “o candidato siberiano”, como lhe
chamou, e do seu triunfo, escreve que ele, Krugman, e os seus concidadãos, não
entendem o seu próprio país. Interroga-se, incrédulo, de como se votou num
candidato não qualificado e com temperamento doentio, assustador e ridículo. À
pergunta por si formulada, se a América é um estado falhado como sociedade,
responde que parece realmente possível que o seja. Continua o seu rol de
posições catastrofistas que eu sem paciência deixei de ler. Fixei apenas a
pergunta e fui tentar obter explicações. Num artigo escrito por Miguel Barrios,
professor em educação e ciência política, este afirma que os EUA encontram-se
na sua mais profunda decadência geocultural. O poder global de uma nação, na
leitura do geo-político norte-americano Brzezinski, apresenta
quatro factores decisivos: militar, económico, científico-tecnológico e
cultural. O crescimento tecnológico, económico-político, tem sido acompanhado
por uma decadência moral, visível pelo aumento da criminalidade, da droga e
violência geral, por uma decadência familiar (diminuição da natalidade, aumento
dos divórcios, aumento do envelhecimento), por uma desocupação de cidades em
resultado da deslocalização de fábricas e empresas para fora do país, pela
concentração da riqueza, pelos mais baixos níveis na educação. Os problemas de
perda de emprego, de trabalho, de salários, de mercado, foram pertinentemente
explorados por Trump. A campanha eleitoral mostrou que não havia um consenso
nacional, e os resultados são prova disso mesmo. Há somente a busca de um
inimigo (Irão, antes Chávez, os chineses, agora Putin) e os valores proclamados
pela nação americana estão em discussão. E que valores são estes? Para o mesmo
Miguel Barrios, no seu artigo de fundo sobre as eleições americanas, são a
democracia, o individualismo, a igualdade perante a lei, a propriedade privada,
a constituição, valores que necessitam de uma revigoração a par de uma
revitalização dos elementos básicos da cultura anglófona – cristandade, língua
inglesa, ética do trabalho, moralismo e estado de direito. Faço um parênteses
para frisar a importância da educação nos EUA. Em 2005 publicou-se um documento
elaborado pela Academia de Ciências, onde se expressava a preocupação pela debilitação
da liderança económica dos EUA, precisamente pela debilitação nas componentes
científico e técnicas dessa liderança. Havia, notavam-no, um desequilíbrio
entre as necessidades tecnológicas e as ofertas educativas e recomendavam uma
transformação do sistema educativo a todos os níveis.
Volto a Trump e aos valores perdidos que precisamente o ajudaram na
sua ascensão e vitória frente a Hillary, incapaz de contrariar Trump e de perceber
que teria de chamar a si as classes populares dando vida àquilo que é real nos
EUA (multiculturalidade, movimentos dos direitos civis,etc) e não àquilo que é
mascarado e virtual. Hillary foi incapaz de chamar a si o povo, preferindo
juntar-se em conluio com os medía e com o poder financeiro. Hillary é a face
visível daquilo que tem sido uma vocação imperial desde sempre dos EUA, mas
insistiu em disfarçar esta realidade, mascarando-a ao mundo e principalmente
aos olhos dos próprios cidadãos norte-americanos.
martahluís
nov.2016
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