Esta
data convida-nos primeiro que tudo a saudar com particular realce todas as
mulheres. deve convidar-nos também, mulheres e homens, a uma reflexão séria no
sentido de tomarmos consciência que o 8 de março não é uma data em que fica bem
saudar as mulheres e lembrar apenas que este é o seu dia, como de uma
banalidade se tratasse.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWVK7fDfskhESGmSBoL3rCn_5ZkzNEYtQcPSqjpwZFOgdPzBlchLAsRP_NAhpY7wSZ3rMJgfT8C0WUdD-UyPqOGWT1ML7Sc7BxVdJI3LiqvznGelN7BuvIwkXjOUvvlhBzwxHQGrA/s320/01_CAR_BanguiForum_WPS1325banner_UNPhoto_631273_675x350%255B1%255D.jpg)
entre
nós na maioria dos calendários e calendarizações efectuadas ao nível laboral,
por exemplo, esta é uma data, desde logo por não ser considerada feriado, sem
qualquer referência especial. é um dia igual aos outros. sinceramente, para
increia como eu, o 8 de março não passa para muita gente homem, de uma obrigação
de se mostrar simpático para com a mulher, amante, amiga, colega, conhecida, um
politicamente correcto como usualmente se diz. e para outra tanta gente, homem
e mulher, não passa de uma data esquecida, um passar ao lado naquilo que ela
representa. mas passar ao lado é fingir uma realidade inexistente, forjar uma
mentira que esconde as palavras de uma verdade incómoda que serve unicamente os
interesses do poder, qualquer que ele seja. devemos, portanto, com um regozijo
consciente e responsável, saudar as mulheres sim, porque é nosso dever perceber
e esclarecer que é sobre as mulheres e meninas, que perfazem mais de metade da
população mundial, que recaem com mais incidência, incerteza e maior
infelicidade, os males e perigos globalizados da pobreza, da insegurança
alimentar, da falta de saneamento básico e cobertura sanitária, da guerra, do
desemprego, da violência. devemos saudar as mulheres, porque apesar da crise
mundial e problemas ambientais, agudizantes da sua condição, mantêm como sua
sabedoria, a paciência do tempo e como sua alma, a luta e perseverança. devemos
saudar também as mulheres pela sua coragem histórica de construção de uma nova
identidade num processo que tem modificado a cultura feminina, que hoje espelha
uma nova visão do mundo, novos valores, atitudes, condutas e práticas sociais.
Historicamente
conhecemos o papel fundamental no que foi e é a identidade da mulher das
diversas instituições sociais com as quais as mulheres se relacionam e neste
percurso também sabemos que ele assentou numa subalternidade relativamente ao
género masculino. sociólogos e antropólogos situam o período neolítico como o
período em que a supremacia masculina se iniciou. também numa análise
mitológica há uma supremacia masculina – o deus todo poderoso é masculino – e
identificamos que aqui assentam as principais bases das desigualdades sociais
que persistem até hoje. e se há sistema social que mais agravou a condição
feminina e fez disparar as desigualdades, foi o capitalista, que desde logo começou
por imputar às classes trabalhadoras e à mulher, especialmente, condições
de vida controladoras. controladoras da sua sexualidade, da sua
maternidade, da sua relação com o trabalho. capitalismo este que submete a maior
parte da humanidade a níveis e condições de vida inaceitáveis, o que leva a uma
exclusão social, processo na qual as mulheres são bem mais penalizadas pelos
papéis diferenciados de género existentes. mas a superação destes papéis e a
desmontagem das contradições que deles emergem vem revelando a maior
importância da própria acção das mulheres, a sua luta concreta enquanto um todo.
neste particular ganhou importância na linguagem dos nossos dias o termo
empoderamento, proposto por Wallerstein (empowerment). este remete para uma dimensão
abrangente na qual os indivíduos ampliam o controle sobre as suas vidas no contexto
da participação em grupos, visando as transformações na realidade social e
política em que vivem.
Façamos um parêntesis para fazer um pouco de
história e recuemos 40 anos sobre a primeira conferência mundial dedicada à
mulher e mais de 20 anos da aprovação da declaração e plataforma de acção de
Pequim onde um acordo histórico foi alcançado sobre os direitos das mulheres e
igualdade de género; e quase um ano sobre a realização, pela primeira vez, da
conferência de líderes mundiais sobre a igualdade de género e empoderamento das
mulheres. aqui foi aprovada a agenda 2030 por 193 países, que prevê banir todo
e qualquer tipo de descriminação até lá. “por um planeta 50-50 em 2013: demos o
passo para a igualdade de género”, é o lema assumido este ano pela ONU, no
âmbito daquela agenda. este fazer história permite-nos rapidamente entender
quão recentes são os passos dados pelas instâncias internacionais no
reconhecimento das desigualdades e na promoção da igualdade de género. somente
em 1975 a assembleia-geral da ONU declarava o 8 de março como o dia
internacional da mulher e desde essa data claramente verificaram-se avanços,
sérios em vários países e passos curtos e titubeantes noutros. em Portugal
também tem décadas apenas a lei que obriga à igualdade de género e a alguns
avanços foram evidentes, embora com a crise se tenha recuado neste aspecto.
anualmente a ONU faculta dados estatísticos indicadores
da realidade mundial que devem servir para os países promoverem políticas
igualitárias, mas acima de tudo devem servir para definir o quando e como se
concretizam esses programas e acções. são alguns desses dados que importa
relevar. por exemplo, em termos de salários, as mulheres ganham 24% menos que
os homens; em termos políticos apenas existem 22% de mulheres nos parlamentos e
ao nível da mediação dos conflitos armados, entre 1992 e 2011 só 9% dos
negociadores de paz eram mulheres; na violência, uma em cada três mulheres
sofrem-na, principalmente praticada pelo seu companheiro de vida; na
maternidade, 800 mulheres morrem por dia e 99% dos casos acontecem nos países
em desenvolvimento; ao nível da alfabetização, 60% são mulheres; em termos de
saneamento, as mulheres gastam 16 milhões de horas/dia para ir buscar água em
25 países subsaarianos; no trabalho, 47% do mesmo é pouco qualificado, mal
pago, irregular e temporário, facto este corroborado com o estudo recente
efectuado pela Overseas Development Institute (ODI), que mostra que as mulheres
trabalham, em média, mais de cinco semanas do que os homens em trabalho não
remunerado; ao nível das mutilações genitais, 200 milhões de mulheres e meninas
vivem este drama de discriminação histórica, enraizado em aspectos culturais e
religiosos.
Fico-me por aqui no parêntesis, um silêncio
profundo invadiu-me, recuei na cadeira sem saber como continuar e assim fiquei
entre difusas ideias por algum tempo, talvez o tempo suficiente para se invadir
em mim a vontade de voltar a escrever, agora em indignação e com palavras de
ordem: não quero que ninguém seja beneficiado, prejudicado, descriminado, ou
até privado de qualquer direito; não quero viver num sistema que não lute
justamente e equitativamente pela concretização plena da igualdade e
empoderamento das mulheres; não quero um sistema que não reivindica a
erradicação da pobreza e da fome; não quero um sistema que fomente e contribua
para a guerra e conflitos entre os povos. acredito que é possível transformar,
se essa transformação colocar acima do capital e do lucro, a palavra
humanidade. é este o sistema que quero ajudar a construir.
artigo escrito por martahluís 2016
Sem comentários:
Enviar um comentário