RECORDAR PARA MELHOR COMPREENDER

RECORDAR PARA MELHOR COMPREENDER

Bob Dylan: compositor, tocador, cantor e escritor

E por tudo isto é também o primeiro nobel da literatura a receber semelhante distinção no mundo da música. Robert Allen Zimmerman, é o seu nome de nascença, mas desde cedo quis ser Bob Dylan em homenagem ao poeta Dylan Thomas, de quem devorava todos os poemas que dele apareciam. De Minnesota deu o salto para Nova Yorque onde conheceu o cantor-activista Woody Guthrie. Cantou-o até mais não e aos poucos entrou no estilo dos blues e do folk. Como ele próprio afirmou "quem quer compor canções deveria escutar tanta música folk, estudar a sua forma e estrutura e todo o material que existe desde há 100 anos". A Academia Sueca concedeu a distinção ao músico “por ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição americana da canção”. E bem pode dizer-se que está certa a academia pois é o mesmo Bob Dylan que se gosta de ver pertencente a uma irmandade de escritores cujas suas raízes estão no country puro, no blues e na estirpe folk de Guthrie, da família Carter, Robert Johnson y dezenas de "baladistas" escoceses e ingleses.

Marsuilta associa-se à distinção da academia sueca e traz à memória letras de várias canções de Bob Dylan, bem como uma entrevista que concedeu em 2004 e ainda outros link´s onde se pode conhecer o mundo de Dylan. Enquanto dele se escreve, ele continua a dar concertos e a escrever diariamente, um hábito que guarda desde há muito tempo.

http://elpais.com/diario/2004/05/01/babelia/1083366381_850215.html?rel=mas

http://bigslam.pt/noticias/homenagem-do-bigslam-ao-vencedor-do-premio-nobel-de-literatura-de-2016-bob-dylan/

http://cultura.elpais.com/cultura/2016/10/13/actualidad/1476381455_398709.html

http://observador.pt/especiais/bob-dylan-esta-do-lado-certo-da-historia/

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ACONTECE, ACONTECEU OU VAI ACONTECER



Ciclo de cinema no CCB - Lisboa

Próximos filmes: 18 março O LEOPARDO Luchino Visconti (1963)
14 abril OS DEZ MANDAMENTOS Cecil B. DeMille (1956)
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Carlos Paredes - Evocação e Festa da Amizade

Esta evocação realiza-se no dia 19 de Fevereiro, pelas 15 horas, na Salão d' A Voz do Operário, em Lisboa e é organizado pela Associação Conquistas da Revolução.

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Tertúlias em Ciência

Céu e Mar "Making of", acontece no dia 15 de fevereiro, pelas 17 horas (C4.piso3).

Esta sessão promovida pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tem a responsabilidade organizativa de Pedro Ré.

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Vanguardas e neovanguardas na arte portuguesa - Séculos XX e XXI. esta é a nova exposição que está patente de terça a domingo no museu nacional de arte contemporânea, em lisboa.

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XXI Exposição de Pintura e Escultura

Esta exposição que mostra obras de vários artistas de arte contemporânea portugueses vai decorrer no Clubhouse do Golfe, nos dias 11, 12 e 18 e 19 de Fevereiro, aos sábados e domingos, das 12h00 às 20h00. A organização está a cabo do Belas Clube de Campo, do Banco Populare a daPrivate Gallery .

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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

à Marta, professora agredida na escola

vamos ouvindo aqui e acolá, pelos professores, pelos alunos, nas rádios e televisões, notícias de agressões a professores dentro e fora da escola. pensamos, pais e professores, que na nossa escola ou na escola dos nossos filhos, tal não vai acontecer. mas um dia acontece e o silêncio instala-se, o medo conduz-nos e a tristeza demora a sair. porque desta vez foi na minha escola o silêncio rompeu-se e as palavras saem com força. à marta marsuilta presta o seu apoio e consideração.

texto escrito por marta h. luís
setembro 2016
Marta. ao começar assim esta crónica qualquer um pensará provavelmente numa pessoa do sexo feminino, ou não. pode pensar que se trata de um texto  de carácter onomástico, ou não. pode pensar de muitas maneiras, podem ao cérebro chegar muitas imagens, ou não. não prolongo a dúvida, vou mesmo escrever sobre a Marta: uma mulher, professora de profissão.
O mundo tem muitas previsibilidades, coincidências, proximidades, contiguidades e outras tantas casualidades, discordâncias, afastamentos, descontinuidades. o mundo tem coisas, escreveu Saramago, e tem muitas outras e provavelmente é por todas elas que acreditamos na vida e neste mundo, ou não.
Marta, mulher, nome próprio, de apelido Ascensão. Marta, mulher, pseudónimo, de apelido Luís. Ambas professoras de profissão, ambas professoras na mesma escola, ambas integram várias turmas nessa escola. ambas por isso estão lado a lado em reuniões, ambas partilham informação sobre alguns alunos, ambas partilham ideias, uniformizam comportamentos para a promoção do sucesso e prevenção da indisciplina. afinal o “normal” no quotidiano entre colegas da mesma escola e dos mesmos conselhos de turma. são de grupos disciplinares diferentes, mas podiam até não ser pois este ano a novidade é a escola ter coadjuvações na sala de aula. mas nas nossas disciplinas tal não acontece.
Eu, Marta de pseudónimo, aprecio a Marta, de nome próprio. aprecio o seu rigor, a sua seriedade e exigência no trabalho como directora de turma, aprecio o seu esforço e empenho no acompanhamento dos seus alunos, na proximidade e diálogo com os encarregados de educação na tentativa de tornar os alunos mais responsáveis e melhores como pessoas. a Marta é uma professora que gosta da sua profissão. conheci a Marta há um ano, não sei o seu vínculo à escola, não sei se é contratada ou não, se está entre os milhares de professores que ano após ano não sabem onde vão ficar, se já calcorreou meio país, ou país inteiro, se conheceu tantos filhos e o mesmo número de mães (não haverá com certeza esta paridade), se esteve em meia dúzia ou uma dúzia de escolas, se viu escolas onde o frio penetra e não deixa espaço para a atenção, se viu escolas com paredes nuas, ou escolas com bancos salpicados de cores alegres, escolas onde os alunos se estendem em dias de sol no jardim de flores, ou escolas onde a chuva escorre num canto dos pavilhões. pois não sei muito da Marta, facilmente se vê, mas sei da nossa escola. não será das mais bonitas e arranjadas, mas é uma escola onde os professores são comprometidos com o desejo de ensinar, com a vontade de aprender e de  aperfeiçoar. uma escola que tem uma visão, um sentido de colaboração e de presença na vida dos alunos. uma escola que não volta costas ao presente e quer agarrar o futuro com mais qualidade. penso na nossa escola assim e tudo isto conta muito para o ser-se professor. não sei se a Marta pensará como eu, ou se pensava e deixou de pensar, ou simplesmente nunca o pensou. sei que a Marta ontem foi brutalmente agredida na escola, na nossa escola, na sua aula, por um aluno. e hoje há indignação, as vozes silenciaram-se, os alunos retraíram-se, alguns terão medo, outros apreensão, passam palavras, especulam, olham para o lado, discriminam provavelmente. eu, Marta de pseudónimo, escrevo, escrevo para mim, escrevo para outros professores e também escrevo para a Marta, de nome próprio. hoje, em mim e talvez noutros colegas, emergiram as dúvidas e as incertezas do nosso papel, afinal onde estamos? como caminhamos? quais os alunos à nossa frente? estou triste, estamos tristes. à memória vêm-me as lutas dos professores, a minha própria luta, a luta pela dignificação da nossa carreira, a luta pela vinculação dos professores contratados, a luta pela degradação do ensino, pelas turmas de 30 alunos, pelos horários esgotantes de docentes e discentes, pelas alterações constantes da sua componente lectiva, a luta pelas mudanças constantes de currículo, pela escassez grave de funcionários, a luta pela valorização da escola pública, a luta pela valorização do professor. e à memória vêm-me também os problemas da vida, as carências familiares, a miséria de todo o género e a minha luta na consciencialização desta realidade, porque o mundo tem coisas, porque o mundo está diante de nós e precisa de mim, da Marta e de todos para o tornarmos melhor.
Fecho a crónica sem o pesar do olhar e o nervoso da fala. desejo muito à Marta um voltar mais forte, um voltar com um sorriso, um voltar no acreditar numa escola emancipadora, numa escola onde a eliminação das assimetrias seja uma das suas verdades e um dos seus propósitos.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Entrevista à jornalista israelita Amira Hass

Já viveu em Gaza e agora vive na Cisjordânia. de Gaza diz inapelavelmente que é um campo de concentração, com dois milhões de pessoas presas; na Cisjordânia observa a sucessiva construção de colonatos. Há 22 anos que Amira Hass conta ao mundo a crueldade dos israelitas sobre o povo palestiniano. A entrevista ao público, conduzida por alexandra lucas coelho, é de obrigatória leitura.

Na noite em que nos reencontrámos em Ramallah, onze anos depois da última entrevista para o PÚBLICO, Amira Hass tinha acabado de mandar para o Haaretz, diário israelita onde trabalha, uma investigação sobre como o exército israelita está a tornar deficientes muitos jovens palestinianos, que atiram pedras, ao disparar balas de verdade para as pernas. A história ia ser o destaque de primeira página no dia seguinte, Amira estava contente, achava “corajoso” da parte da direcção. Há 22 anos que o trabalho dela é contar aos israelitas a realidade dos Territórios Palestinianos Ocupados, primeiro em Gaza, onde morou três anos, e desde então na Cisjordânia. Dependendo dos editores, das épocas, nem sempre foi fácil, apesar do Haaretz ser considerado um jornal de esquerda, hoje uma raridade em Israel. Começámos pela nova geração na Palestina (ver reportagem na edição de domingo).

Como viu o levantamento de jovens há um ano, que chegou a ser chamado de Intifada?
Chamo-lhe levantamento privado. E mesmo em relação ao termo levantamento, sou cautelosa. Certamente não Intifada, porque isso implica um movimento popular, toda a gente mobilizada, o que não aconteceu. Mas havia uma sensação de revolta. Foi uma revolta privada.
No sentido de individual?
Porque eles decidiram sozinhos, sem nenhuma organização. E a sociedade teve muitas oportunidades de se juntar, de fazer grandes manifestações, e não o fez, decidiu contra um levantamento, claramente. Só houve manifestações alargadas pela devolução dos corpos [de jovens palestinianos, atacantes ou suspeitos de quererem fazer ataques, que foram mortos pela polícia].

Mas sendo uma revolta privada, aqueles miúdos representam sentimentos de muitos, de que as pessoas já não aguentam mais isto. Não foram apenas razões políticas, mas também pessoais, psicológicas. E muita gente podia empatizar com esse sentimento, de que a vida já não merece ser vivida. Uma ideia muito perigosa, mas essa era a mensagem. E havia ódio, claro, porque as pessoas têm todas as razões para odiar. Não me surpreende que o tenham feito, surpreende-me que mais não o tenham feito. A sociedade reagiu de forma um pouco esquizofrénica. Por um lado, honrou-os como heróis, por estarem a fazer a revolta que mais ninguém fazia, por outro duvidavam que tivessem esfaqueado ou o quisessem fazer.
Há várias diferenças entre os casos. Viu padrões?
O desejo de imolação teve um grande papel. Mas vejo esse desejo desde a Segunda Intifada [2000]. Portanto, não sei se é uma coisa da geração do Facebook.
Um seguir o outro.
Sim, imitar. A imitação era perturbante. Via-se isso. Li os interrogatórios de alguns miúdos presos por terem com eles uma faca, e alguns diziam que tinham visto aquilo no Facebook: vamos comprar uma faca, vamos esfaquear um judeu. Depois, o único judeu que reconheciam era um religioso, ficavam com medo porque havia soldados, desistiam, portavam-se de forma suspeita, porque os israelitas já suspeitavam de toda a gente, e eram apanhados. Na forma como explicam isso não há uma compreensão política. Mas há muitos sentimentos, e isso também é político, porque ele são os ocupados. Ao mesmo tempo, desempenham um papel na peça. O que lhes agrada, porque essa é a peça à volta deles. E os pais nem têm ideia do que se passa.
Alguns tinham 13, 14, 15 anos.
Até 12 anos. Houve um de 12 anos que saiu com uma faca, cooptado por outro. No caso dos muito jovens, em geral, há um mais velho que os leva. E o mais velho, em geral, tem problemas em casa. Depois há os que querem resolver os problemas, serem heróis. Acham que serão melhor aceites, ou querem punir os pais. Há muito isso, mas como a sociedade é muito renitente a criticá-los, não têm forma de saber que o que estão a fazer é sem sentido, que não é heroísmo, especialmente os que vão matar civis. Esse é um padrão. O ódio é compreensível, consigo entendê-lo. Mas são arrastados por um mais velho.
Onde colocaria um caso como Baha Alyan [22 anos, protagonista da reportagem na edição de domingo]?
É o caso dos mais velhos, zangados devidos a casos anteriores, pelo que aconteceu a outros miúdos. E esses também também estavam a vingar alguém. É uma cadeia, em que o desejo de imolação tem um papel. Um imita o outro, mas como tem mais recursos, fá-lo de uma forma chocante: Baha e o amigo mataram dois idosos e um homem de meia-idade num autocarro. Mas foi num colonato. E quando olhamos para Jabal Mukaber [o bairro de Baha] e para Armon Hanatziv [o colonato em cima do bairro] realmente podemos sentir toda a arrogância da ocupação em meio quilómetro quadrado.
Baha foi uma excepção?
Em relação a quem está num campo de refugiados e não tem um futuro, sim. Ele tinha um futuro. Mas houve mais como ele. Um rapaz que tinha estudado Medicina, por exemplo. Eles são enterrados com os seus segredos, e no fim de tudo não sabemos.
Qual foi o clique...
Sim, o que realmente pensaram. Depois, há alguns influenciados por Hamas ou Jihad Islâmica. Há uma influência dos media islâmicos, e também dos media ligados à Fatah, menos oficial.
E há as mulheres, que, em grande maioria, tinham fugido de casa. Não é novo: até há dois anos, elas sabiam que iam a um checkpoint, mostravam uma faca e seriam presas, e desejavam isso, porque tinham problemas em casa, incesto, violência. A diferença desde o ano passado é que agora os soldados as matam. Mesmo que elas não os tenham atacado.
Um suicídio.
Um suicídio. Acho que esta vaga começou quando mataram uma jovem de 18 anos que tinha uma faca, foi a um checkpoint em Hebron, creio que para ser presa, porquê, não sei. E foi morta de forma terrível. Varreram-na com balas. Isto encheu as pessoas com tal raiva que fermentou a vaga. Um brasileiro tirou fotografias, o que  tornou o caso conhecido.

É uma forma de suicídio através de um soldado. Numa sociedade que não aceita o suicídio, é mais digno ser assim.
São principalmente de zonas rurais?
Não. Muitas são de Hebron.
Chamo a estes jovens a geração perdida de Oslo [cidade dos acordos de paz de 1993, assinados entre Arafat e Rabin]. Sem futuro, sem se poderem ancorar no heroísmo dos pais, nem na memória de convívio com os israelitas . Quem tenha 40, 50 anos tem alguma memória de convivência entre seres humanos. Agora, tudo o que eles vêm são colonos e soldados. Não há promessa nenhuma, e as promessas anteriores não foram cumpridas. Tudo isto inchou como um balão e explodiu.
Vê também uma tendência de despolitização, no sentido de “eu quero viver a minha vida, ser feliz”?
É outra tendência. De certa forma, um fenómeno de classe. Quem mata são sobretudo os pobres. Não sempre, mas a maioria. Muitos de campos de refugiados, de aldeias pobres. Nesse sentido, Baha é de facto uma excepção.
Embora não fosse rico.
Não, mas tinha um futuro. E é preciso perguntar, porque uma pessoa como ele está a fazer isto? O que isto diz sobre este regime? De alguma forma foi o que ele escreveu nos seus mandamentos de um mártir no Facebook, um ano antes, quando disse que não queria que os políticos o aproveitassem. É uma geração sem qualquer confiança em líderes, do Hamas, da Fatah.
E porque é que a sociedade decidiu que não se ia envolver massivamente?
Porque sabia que não ia conseguir nada. Não queria sacrificar-se. Na Segunda Intifada, [os bombistas suicidas] eram enviados por grupos. A grande maioria também não se juntou à luta armada, mas aceitou ser punido colectivamente. E agora ainda aderiram menos. As manifestações foram sobretudo nas universidades, e em algumas aldeias.
O colectivo não é estúpido, sabe quando é o momento. E intuiu que não ia conseguir nada, que seria em vão. Porque não há uma liderança, não há aliados, também não há aliados entre a maioria dos israelitas, Israel é muito cruel. E as pessoas perderam o hábito de luta popular: é preciso prática, uma rede de ligações, a sociedade está fragmentada. Mal a Segunda Intifada começou, circularam pela Cisjordânia, apesar dos checkpoints. Isso não aconteceu agora. Em Fevereiro, quando houve uma greve de professores, milhares contornaram os checkpoints da Autoridade Palestiniana [AP], que não queria essas manifestações. Portanto se tivessem querido protestar contra a ocupação tinham conseguido. O argumento de que não se manifestam porque a AP os reprime, não faz sentido. Quando há uma massa, a AP não consegue reprimir.
Chegando a Ramallah ao fim de anos, é impressionante a quantidade de construção, carros, trânsito. Há dinheiro a circular.
Sim, muitos empréstimos.
As pessoas têm empréstimos, carros, casas. Isso também contribui para que não haja mobilização? As vidas estarem mais estabelecidas?
Sim. Mas também tinham casas na Primeira Intifada, estavam em relativa boa situação. Talvez de forma menos “luxuosa”, mas quem se envolveu tinha coisas a perder. Acho que as pessoas se disporiam a perder o que têm agora se sentissem que conseguiriam algo. Não é tanto o medo de perder, mas perder em nome de alguma coisa. Quanto pode ser sacificado quando as lideranças são estas.
E como é que esta liderança de Mahmoud Abbas ainda está no poder, se não acha um palestiniano que o apoie? Quem o apoia?
O mundo. O mundo quer ver uma solução dois Estados. Não faz nada por isso, mas quer manter a pessoa que a representa, então dá-lhe dinheiro, e ele controla todo o dinheiro. E é assim que controla a Fatah. Acho que uma parte da Fatah ainda espera um milagre, que o mundo intervenha. Mas não é isso que está a acontecer.
Por que não aparece uma nova geração de líderes?
Não há um mecanismo que o permita. A educação política é muito má. Os novos que foram presos protestam por causa do dinheiro que deviam estar a receber. Os velhos prisioneiros ficam supreendidos, dizem: na Primeira Intifada, dávamos dinheiro à organização, não esperávamos dinheiro dela. Isto foi um resultado de Oslo, toda a gente ter um salário, um posto, o que criou uma atitude diferente em relação ao que é lutar pela liberdade. Tornou-se algo convertível em dinheiro. A AP, o Hamas em Gaza, recrutam pobres para as organizações militares, que são uma forma de criar clientela, quem não tem dinheiro ganha um salário assim. Portanto, cria-se lealdade a um regime mas não a uma ideia.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Máximo Ferreira:uma vida a abrir horizontes

De volta aos seus leitores após férias, marsuilta divulga uma entrevista ao astrónimo Máximo Ferreira, responsável pelo Centro de Ciência Viva de Constância. aqui junto da sua terra natal, o astrónomo luta pela generalização da cultura científica, um sonho que transporta consigo e que através do seu projecto  vai cumprindo. quem escuta Máximo Ferreira dificilmente não ficará contagiado pela magia do universo.


entrevista concedida ao jornal DN: http://www.dn.pt/portugal/entrevista/interior/maximo-ferreira-fazia-40-quilometros-de-bicicleta-por-dia-para-trabalhar-e-estudar-5366425.html


Não viu a chegada à Lua, porque estava debaixo de água num submarino, e não tem muita esperança de ainda ver os primeiros passos em Marte, mas isso não impede Máximo Ferreira de continuar a lutar para abrir os horizontes às novas gerações. E acredita em extraterrestres, mais do que em Deus, e nesta conversa explica porquê, começando pela infância.



Nasce numa pequena aldeia do Ribatejo, Montalvo, onde só havia escola primária, e entra na faculdade para estudar Física já adulto, casado. Como aparece esse fascínio pelo universo?


É bastante tardio. Não teve nada que ver com a infância, apesar de ter uma grande ligação à natureza. Curiosamente, não havia muita ligação à observação do céu, mas à terra, aos animais, às plantas. O meu avô era um pequeno agricultor, os meus pais trabalhavam no campo e eu, nem me lembro se era com sacrifício ou não, trabalhava com eles. Tínhamos duas cabrinhas que guardava quando saía da escola. Ia pelos sítios que a minha mãe dizia, levava a sacola com os livros e fazia os trabalhos de casa. Lembro-me de que só mais tarde ouvi falar de um cometa que foi visto em 1956, tinha já 8 anos, e que não vi, porque a família tinha o hábito de se deitar muito cedo, não tínhamos luz elétrica em casa.
Mas queria estudar?
Sim, sim. Lembro-me de que as pessoas diziam que eu era bom aluno e quando fiz a quarta classe o meu sonho era ir... Algumas professoras incentivavam-me muito para que continuasse a estudar. Portanto fiz o exame de admissão, entrei no liceu de Abrantes e aí surgiu um problema familiar - não foi um problema, era uma realidade -, a minha família não tinha posses. Talvez tivesse para um filho, mas nós éramos quatro e o meu pai, se não podia dar a todos não dava a nenhum. Eu era o mais velho e se ele abrisse mão deste princípio ficava ali com uma dificuldade muito grande. Penso que depois nenhum dos outros irmãos teria gostado de continuar a estudar, mas o meu pai levantou algumas objeções. A minha mãe, que estava motivada pelas outras senhoras, entrava ali em conflito, e só me lembro de que disse "pronto, então eu não vou estudar".


Foi nessa altura que foi trabalhar como moço de recados numa metalúrgica no Tramagal?
Não era capaz de estar parado, queria aprender um ofício, como se dizia. Queria ser eletricista, mas depois queria estudar eletricidade. Só que naquele tempo, não tendo ido para o liceu, só se podia estudar de noite na escola industrial de Abrantes, e só se podia entrar aos 14 anos. Como não se encarava muito bem que o menino terminasse a quarta classe e ficasse ali sem fazer nada, fiz algumas coisas, aprendi música e tocava lá numa filarmónica, fui sacristão e ia às missas, aos funerais e casamentos. Quando faltava um mês para fazer 12 anos, o meu pai já trabalhava na metalúrgica, e eu fiz umas provas de admissão e lá entrei, mais uns quantos, umas quantas crianças.
Continuava a viver com os seus pais em Montalvo?
Sim, e fazíamos todos os dias de manhã dez quilómetros de bicicleta até ao Tramagal e depois regressávamos à tarde. Quando fiz os 14 anos já podia entrar na escola - a metalúrgica dava uma hora por dia aos estudantes - e então eu ia de bicicleta com o meu pai de manhã, saía às quatro da tarde, ia para casa, mais dez quilómetros, estudava alguma coisa, preparava as coisas, depois ia para a escola para Abrantes, mais dez quilómetros. As aulas acabavam às 11 da noite, regressava de bicicleta, mais dez quilómetros. Fazia 40 quilómetros de bicicleta por dia, para trabalhar e estudar, e no outro dia levantava-me às seis da manhã para ir trabalhar outra vez.
Hoje aos 12 anos muitas crianças não vão sozinhas para a escola...
Hoje aos 12 anos são criancinhas mesmo. Naquela altura, aos 12 anos, a metalúrgica pegava nos miúdos, iam fazendo de moços de recados, conhecendo as secções, e quando chegavam aos 14 começavam a aprender um ofício, o tal ofício. Entretanto, em Abrantes, quando cheguei para aí ao terceiro ano, aos 17 anos, comecei a achar que não queria ficar na filarmónica nem ser mecânico na metalúrgica, queria era continuar a estudar. E para continuar decidi ser voluntário na Marinha. Isso foi a dificuldade maior para o meu pai. Porque eu ia afastar-me da família e vir para Lisboa era sempre um perigo, podia estragar-me.
Mas veio... Tinha que idade?
Dezassete anos e meio, que hoje em dia também são meninos. Na Marinha ficava-se na caserna e as condições iam melhorando à medida que nós íamos subindo. Mas até era uma vida melhor do que aquela que tínhamos lá na aldeia. Mesmo que tivéssemos de tomar banho com água fria depois do treino às sete da manhã, tínhamos as refeições sempre a horas, passávamos o dia nas aulas, era mais calmo. Depois de acabar esses cursos todos na Marinha, estive quatro anos nos submarinos, na área de eletrónica e comunicações.
Andava pelo mundo fora?
Sim, pertencia à guarnição do submarino, éramos dois desta especialidade, um em cada. Vinha a esquadra americana e dizia que queria ali um submarino para treinar e nós lá íamos. Não andámos propriamente pelo mundo, íamos até à Madeira, Inglaterra, França... Mergulhávamos aqui à segunda-feira e depois voltávamos à sexta. Às vezes andávamos nove dias debaixo de água. Tenho boas recordações desse tempo, nunca vi grande perigo, conhecíamos bem o submarino, conhecia muito bem a minha parte, os sistemas de comunicações e deteção dos supostos inimigos.
Mas estamos a falar dos tempos da Guerra Fria.
Ainda da Guerra Fria, sim.
E isso estava presente? Tinha medo?
Não, não. Tinha uma ideia das perseguições políticas, da PIDE, do medo que tínhamos de falar disto ou daquilo, mas não tinha noção política das coisas. Acabei por ter alguma colaboração no 16 de Março, no Golpe das Caldas, e depois no 25 de Abril, mas foi sem perceber bem o que estava montado.
Então no 25 de Abril de 1974 era militar. Como é foram esses dias?
Comecei por ter algum receio. Eu morava no Seixal e vinha no meu carrito e apanhava um autocarro da Marinha no outro lado. Enfim, tudo muito esquisito. "Nós agora vamos para a unidade, mas não sabemos quando é que saímos de lá." Depois fomos ouvindo algumas coisas. Portanto não participei ativamente, acabei por participar uns dias depois, de uma forma caricata, que foi na escola técnica da PIDE que tinha sido assaltada pelos fuzileiros, que meteram umas granadas. Eu que não percebia nada de armas fui comandar um pelotão para garantir que não iam lá os pides durante a noite buscar não sei o quê. Não percebendo bem o que estava a acontecer, achava que era uma situação militar que até tinha piada. Depois fui percebendo. Fui interiorizando o significado, não só relativamente àquelas coisas de que a gente tinha medo antes, de ouvir falar da PIDE. Lá na minha terra dizia-se que quando se ouvia a Rádio Moscovo tinha de se pôr um copo de água em cima do rádio - nós em casa não tínhamos rádio portanto não tínhamos esse problema [risos]. Depois as mulheres que diziam aos homens na taberna "homem, tu não fales assim que um dia ainda vais preso".
É um despertar político tardio?
Sim, sim. Só à medida que foram sendo libertados os presos políticos é que fui percebendo o horror que era o ambiente anterior. Porque eu tinha sido criado numa aldeia onde se organizavam excursões para vir ao Terreiro do Paço apoiar Salazar. Eu vim numa dessas.
Não era um assunto abordado em casa, na família?
Não. O meu pai não seria muito dado a essas coisas. Também não me lembro de em casa o meu pai e a minha mãe falarem de alguma coisa dessas. Mas não sei se a minha mãe não falava. Não sei. Depois arrependi-me de não ter perguntado isto à minha mãe - declarou-se uma doença e em dois meses morreu, portanto não deu para falar das coisas todas que queria ter falado com ela -, mas quando a minha mãe me ia chamar para me levantar para o trabalho falava-me baixinho ao ouvido, dizia "Olá camarada, levanta-te". Mais tarde é que fiquei com dúvidas sobre porque é que a minha mãe me chamava camarada, porque no dia-a-dia não fazia parte da linguagem da família. Será que havia alguns ambientes em que eles falavam de outra maneira? Nunca cheguei a perceber.
Voltando ao caminho para a astronomia, para as estrelas...
Em 1972 fui dar aulas para uma escola da Marinha, de eletrónica, e comecei a dar assistência técnica ao Planetário Gulbenkian, da Marinha, em Belém. E começa aí o meu contacto com a astronomia. O equipamento simulava o céu, fui tentando perceber aquelas coisas e eu, que queria ir para o Instituto Superior Técnico fazer Eletrotecnia, acabei por decidir ir para a Faculdade de Ciências fazer Física, porque era a ferramenta para depois me tornar um astrónomo, um astrofísico. Só entro na faculdade em 1974.
Para a universidade, onde tinha acabado de entrar, foram anos de ebulição.
Foram, mas como eu não tinha tempo para estar na universidade nunca cheguei a ser muito envolvido nisso.
Continuava na Marinha. Já era casado?
Continuava na Marinha, ainda como militar, depois passei a civil, e entretanto casei-me, faltava um mês para ter 23 anos. Mas estava numa situação em que já não era bem militar, estava ali em Belém, e dentro da universidade houve algumas alterações e eu fui fazendo disciplinas, continuei a estudar Física e depois fiz alguns cursos no país e fora, andei a correr atrás de eclipses do Sol, porque havia lá umas coisas da física solar que era interessante estudar. Devo lembrar que nessa altura havia pouca gente em Portugal dedicada à astronomia e à divulgação científica, que já fazia no planetário, e à medida que fui ganhando mais conhecimento isso tornou-me mais capaz. Fui fazendo algumas coisas que mereceram aceitação, mas também só existia eu e pouco mais. Hoje, felizmente, não é assim e foi para isso que eu e muitos outros trabalhámos.
Houve sempre uma aposta mais na vertente da divulgação do que que na da investigação. Foi uma decisão consciente?
Exato. Era consciente. Mesmo sem a tal consciência política, de que falava há pouco, havia uma questão ideológica. Eu achava que as crianças na minha aldeia e nas outras aldeias do país não tinham acesso a coisas que são extremamente simples e importantes para a formação e era importante fazer coisas dessas. Colaborei nalgumas áreas de investigação, na física solar, mas colaborei muito na formação de professores, mesmo não tendo funções docentes. O que fiz foi ir para as escolas com esses professores porque obviamente tinha a noção de que sozinho bem podia andar por aí os dias e as noites que não conseguia fazer nada. Foi uma aposta que não posso dizer que tenha sido completamente ganha, mas teve bons efeitos. E isto é um período em que aparecem muitas pessoas, associações, um movimento que não parou mais e deu os seus frutos. Depois aparece José Mariano Gago e estas atividades que eram mais ou menos descoordenadas começam a ter uma linha e hoje em dia temos investigadores espalhados pelos quatro cantos do mundo, a fazer peças para câmaras que vão num satélite para o espaço em 2020, a descobrir planetas... e essa gente que agora faz isso vem deste espírito.
O professor Mariano Gago teve um papel muito importante?
Teve, foi fundamental. Quando ele é ministro as coisas mudam de figura, no sentido em que se deixou de se fazer aqui, fazer acolá. Toda a gente via nele um companheiro de luta nesta promoção da cultura científica, sabendo que daí viriam resultados para o cidadão comum. Teve consequências no afluxo de pessoas que foram para as áreas científicas.
É inevitável que essas pessoas estejam hoje espalhados pelo mundo, fora do país?
É, é inevitável, por várias razões. E há aqui coisas que eu em tempos não entendia bem. Ainda hoje às vezes tenho tendência... se tenho na minha equipa uma pessoa que é muito boa, tenho vontade que ela não saia de cá, mas fazendo isso faço mal à pessoa e à minha instituição. Essa pessoa é muito boa, mas podia ser muito melhor se fosse trabalhar noutros laboratórios, noutras condições, com outras ideias. Depois, posso não a ter sempre, mas sempre que posso tê-la ela vem mais rica e mais capaz de fazer o que já fazia e de ajudar-nos a nós a perceber o que podemos fazer diferente.
Na astronomia é muito óbvio, muitos dos nossos astrónomos mais famosos hoje trabalham no estrangeiro.
Pois, porque por um lado não há nenhum país que seja capaz de fazer sozinho, por exemplo, o complexo que nós temos no Chile [o rádio-observatório ALMA]. Tem de ser um conjunto de países, financeiramente, e depois traz outro benefício que é a mistura de culturas, de personalidades. A partilha é fundamental. Abrir é fundamental. Há coisas na globalização de que eu não gosto e são perigosas e são más, mas neste aspeto da partilha científica, acho que é fundamental.
Além dos avanços na investigação, a literacia científica da sociedade, no geral, melhorou?
Nunca se melhora o suficiente. Devo confessar que os últimos quatro ou cinco anos foram muito maus, não só para aqueles que sofreram as limitações que foram impostas, quer no domínio do ensino quer no domínio da investigação, mas piores ainda para o futuro. Porque neste hiato em que não se investiu as coisas foram funcionando com os que já lá estavam e alguns deles com muito sacrifício - estou a pensar em bolseiros, investigadores, que deixaram de ter apoio e viveram muito à custa até do apoio das famílias para não terem de abandonar os projetos e não terem de ir para um balcão. E portanto há aqui um hiato que daqui a uns anos se vai notar - a produção dos investigadores portugueses na globalidade vai diminuir exatamente porque não houve uma manutenção deste fluxo. E ao nível do ensino acabou por desanimar muito os professores, complicar a vida dentro das escolas e portanto a qualidade do ensino diminuiu. De qualquer das formas o que devemos todos fazer é tentar trabalhar e tentar que não sejam tão más como podem parecer.
Sabemos o suficiente de ciência? Sobretudo as pessoas que seguem áreas não científicas...
Não perdoo que uma pessoa com formação académica superior tenha falhas de cultura científica. Considero incrível que se mexa num micro-ondas ou um telemóvel sem a mínima noção do que está a acontecer. Isso é uma coisa que qualquer cidadão devia saber, seja de Filosofia, seja de Medicina, seja do que for. Mas a culpa não é só das pessoas. Se calhar é menos das pessoas do que do sistema e dos que são responsáveis pelo sistema. É falta de prática, do ensino prático. Voltamos ao mesmo: aquilo que foi eliminado nos últimos cinco ou seis anos. Agora se me perguntar como isso se faz, como se inclui nos currículos, é mais complicado. Mas a minha função é dizer que se houver experimentação há coisas que saem naturalmente.
Viveu muitos anos em Lisboa e depois voltou para Constância. Como é que aconteceu essa mudança?
Quando chegou a altura de me aposentar da universidade, olhava para o panorama da divulgação e já havia muita gente a fazer coisas. Achei que já não era preciso aqui dentro da cidade e para ir fazer para outros sítios tinha a minha terra. Voltei e continuei este trabalho de divulgação científica. Portanto era um sítio onde eu gostava de ter alguma calma - isto pensava eu porque depois acabei por ter uma vida ainda mais agitada. Já tinha a ligação à Ciência Viva, tínhamos uma boa relação, o Museu de Ciência, a câmara municipal, a escola, e fui trabalhando. A princípio havia pouco trabalho, agora é que é tanto que não temos mãos a medir. Tenho uma equipa pequena, somos sete, mas é extraordinária. Evidentemente gostava de que as pessoas da minha terra se motivassem mais por aquilo. Enfim, não conseguimos tanto como queríamos, as coisas não são perfeitas e nunca serão, mas temos mais de 20 mil visitantes que vêm de todo o país e o facto de a maioria ser alunos de escolas faz-me sentir que estamos a continuar aquilo que me fazia trabalhar nos anos 1970 e 80.
Sente-se os custos da interioridade?
Sente-se bem. Aqui em Lisboa, ou no Porto ou Coimbra, se se criar um museu de ciência, vamos passear, tomar um café e vemos que está ali aquela coisa. Ninguém vai tomar um café a Constância. Hoje em dia há muitas pessoas que vão ao Centro Ciência Viva ou a um parque ambiental que tem um borboletário tropical, é um ambiente extraordinário. Mas vão os de fora e aos poucos alguns residentes vão perdendo o acanhamento. Sabem mais ou menos onde é, sabem que apareceu na televisão, mas é qualquer coisa que está fora da sua vivência. Até este indicador é suficiente para nos preocuparmos. Em cada local, em cada região, as estratégias para vencer isto são diferentes, em nenhum sítio são fáceis. Na minha terra se fizer uma coisa com a banda filarmónica ou com o rancho folclórico levo muito mais pessoas do concelho. Junto 200 ou 300 pessoas, que é coisa que não consigo mesmo que seja um eclipse do Sol ou da Lua e se disser que as portas estão abertas.
Foi já em Constância que se envolveu na política. Como é que isso surge já depois dos 60?
Devo confessar que entrar na política foi uma ingenuidade minha, mas não estou arrependido.
Essa era a pergunta seguinte.
Não estou. Eu não tenho nenhuma filiação partidária, nunca tive, embora me considere uma pessoa de esquerda. A minha ligação à câmara veio do trabalho no Observatório Astronómico, o presidente era uma pessoa com quem falava francamente, a quem algumas vezes propunha uma ou outra coisa, mas a maior parte das vezes era ele que propunha. Quando decide não continuar houve um conjunto de pessoas, próximas dele e da formação partidária que o apoiava [a CDU], que me convidaram. Tive algumas reticências, primeiro porque não tinha experiência política. Mal sabia que era muito mais inexperiente do que pensava. Depois porque o meu projeto era o Centro Ciência Viva e esta coisa de me ir ligar a uma força partidária ia pôr outras forças a olhar para o meu projeto de maneira diferente. De toda a maneira fui olhando para as perspetivas, eventuais candidatos, e achei que as coisas eram piores do que se fosse eu.
E aceitou...
Aceitei com estes prejuízos do projeto e também com prejuízos materiais. Por aí foi um desastre. Mas eu tinha-me posto a estudar na universidade umas coisas relacionadas com património, museologia social, e havia ali umas quantas coisas de património que achava que era um crime estarem a degradar-se. Já estava habituado a trabalhar com pouco dinheiro e portanto aceitei e com convicção, não fui arrastado.

Como é que foi a experiência?
A experiência demonstrou-me que ser presidente de câmara é muito mais difícil do que se pode pensar, que merecem muito mais respeito do que a generalidade dos políticos lhes dá. Aprendi que não é possível modificar as pessoas e alguns hábitos. Por exemplo, e isto acontece em todo o país, o meu concelho tem três freguesias e é preciso um cuidado terrível por causa dos melindres entre as três. Eu achava que podia atenuar aquilo com algumas medidas, mas é muito mais difícil. Foi possível fazer, mobilizar pessoas, começar a recuperar património, definir um projeto. Foi possível ter um sonho. A parte menos boa foi de facto a relação política. As pessoas da oposição deitam abaixo, os que nos apoiaram acham que devíamos estar lá a fazer aquilo que eles querem e portanto tive alguns problemas. Evidentemente que não repetiria, mas foi uma boa experiência. Neste momento não tenho nenhum problema com as forças político-partidárias da região, tenho o meu projeto, todos com respeito por aquilo que se faz, e penso que todos empenhados na convicção de que é um equipamento fundamental para a terra, para a região.
Lembra-se da chegada do homem à Lua ?
Não. Em 1969 estava a acabar o curso de submarinos e penso que estaria debaixo de água nessa ocasião. É um acontecimento que aprendi a apreciar, independentemente de ser o produto da rivalidade entre americanos e soviéticos - dentro da comunidade científica aquela Guerra Fria não era assim tão fria. Há uns aspetos menos bonitos nas competições, mas também há coisas positivas. Acabei por perceber alguns pormenores que agora me ajudam a convencer pessoas que ainda não acreditam que o homem tenha ido à Lua.
Ainda acontece muito?
Pois, se as pessoas não têm nenhuma ideia do que é preciso fazer para sair da Terra, o mais fácil é que digam que é impossível sair da Terra. Depois ir daqui até à Lua, pousar e trazer coisas... isso é impossível. Se a seguir se vê um filme com um homem a andar na Lua ou em Marte. E há uma certa preguiça mental...
Mas há páginas inteiras com argumentos, as chamadas teorias da conspiração.
O que aconteceu logo nas primeiras vezes que isso apareceu foi que os próprios Estados Unidos tiveram de reconhecer que tinha havido ali manipulação das fotografias por uma questão de propaganda. Naquele tempo se calhar as pessoas que fizeram aquilo não pensaram que houvesse gente que tivesse a perspicácia de ir ver aquilo.
Não havia o mesmo escrutínio?
Não a este nível e só passados bastantes anos é que apareceu esta discussão. Mas, não sendo tenazes a perceber as dúvidas, facilmente as pessoas se refugiam numa coisa, seja um filme de ficção ou alguém que disse que é tudo aldrabado. Agora, precisamos de raciocinar de outra forma: num ambiente de Guerra Fria alguma vez os americanos diziam que tinham pousado na Lua e os russos ficavam calados? Aliás, há uma das missões Apollo que pousa quase ao mesmo tempo e à vista de uma sonda soviética, daquelas não tripuladas. E muita da tecnologia que nós hoje utilizamos na Terra só existe porque foi preciso desenvolvê-la [para as missões]. Lembro-me de um exemplo que se utilizava muito: o computador que dentro da nave controlava as tarefas todas que era possível controlar tinha as dimensões de um quarto de uma casa. Hoje os nossos telemóveis têm mais capacidade. E isto surgiu não só de outras necessidades tecnológicas, mas desse período em que era preciso fazer as coisas quanto mais pequenas melhor para pesarem menos, gastarem menos combustível, ser mais fácil lançar.
Com toda a tecnologia que temos não temos a capacidade de ir à Lua no próximo ano. Ou simplesmente não é interessante?
É só porque não é interessante. De resto não era necessário ir lá cinco vezes como se foi. Foi uma jogada fundamentalmente política. O Kennedy disse "vamos pôr um homem na Lua" e pôs. E depois o ir mais vezes... É verdade que foi melhor ter ido lá. Nós ainda hoje medimos a distância entre a Terra e a Lua com rigor lançando um laser para um refletor que os americanos deixaram lá. Porque é que os chineses estão agora com esta coisa de ir lá? Fundamentalmente para testar tecnologia e para mostrar ao mundo que são capazes.
Então é Marte que nos interessa?
É Marte. Do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, por um lado, e do desenvolvimento da capacidade de adaptação do ser humano a voos prolongados. Eu não acredito que se vá a Marte em 2030. Não é por uma questão física e psicológica humana. Agora andam seis astronautas na Estação Espacial Internacional e nós mantemos regularmente contacto. Se houver um desequilíbrio vai daqui um foguetão e dois dias depois a pessoa está cá em baixo. E conseguimos perceber mais ou menos como as pessoas reagem àquela situação de isolamento. Para ir a Marte são precisos dois ou três anos e não se consegue testar para ter a garantia de que a pessoa vai aguentar. O que nos impede de ir a Marte já não é a tecnologia, é uma questão humana. E o objetivo é ver como é possível encontrar um mecanismo de adaptação ao espaço.
Marte é o ponto de partida para a exploração do espaço?
É sempre assim. Lembro-me de que há uns anos no planetário, com o Conselho Nacional de Cultura, fizemos uma sessão em que estávamos com uma paisagem de Lua à volta e víamos a Terra nascer. O Mega Ferreira lia "estamos no ano 2025, os pais mostram aos filhos o sítio de onde vieram"". E a Lua está a 380 mil quilómetros. Depois tínhamos uma outra imagem que mostrava Saturno, que está 1500 milhões de quilómetros de distância e tem a maior lua do sistema solar que é Titã. E num outro texto ele descrevia Titã como a guarda avançada do sistema solar. Como a plataforma para depois fazer viagens para fora do sistema solar. Se nós quisermos ir mais longe o que podemos fazer é ir step by step. Portanto eu vou daqui até à Lua, depois para Marte, monto uma base...
Acha que vamos em breve?
É provável que sim, embora mais lentamente do que se anuncia. Os próprios investigadores juntam à capacidade tecnológica o seu desejo. Nós mandámos uma nave que ficou dez anos à espera de um cometa e o cometa veio, mandámos um equipamento que se afunda em Júpiter e vai funcionando e transmitindo dados. Tecnologicamente fazem-se maravilhas. Agora gostávamos de juntar a isso uma coisa que é mais difícil: enviar uma pessoa. Também não sei se teremos uma evolução da lógica. Hoje quando pensamos em mandar alguém para Marte pensamos no regresso, mas daqui a duas ou três gerações pode ser que já não haja este apego à Terra.
E nas nossas viagens, no futuro, acredita que vamos encontrar vida inteligente, que existe?
Sim, acredito. E agora vai perguntar-me com que base? Apenas por uma questão de lógica. Começamos pelo mais simples: as condições que ocorreram na Terra não podem ocorrer noutro local ? Podem. Então vamos pensar em estrelas como o nosso Sol - pode não ser assim, mas vamos ser exigentes. Em seguida excluímos as estrelas mais jovens porque emitem muita radiação ultravioleta, e as mais velhas porque emitem menos energia e porque já dilataram e pode ser que tenham engolido os planetas. Se quisermos estrelas idênticas ao Sol ficamos com uns 20 mil milhões e basta que se tenham formado planetas à volta e basta que um esteja nesta posição, nem muito perto nem muito longe, como está a Terra. Depois que o planeta tenha mais ou menos o tamanho, a mesma massa. Porquê? Porque achamos que a atmosfera que ficou aqui presa ficou graças à gravidade. Se for muito pequeno perde a atmosfera; se for maior, eventuais seres que se formem por lá não podem ser como nós. Podem ter ocorrido alguns acasos na evolução na vida na Terra, mas se reduzirmos estes números para metade ainda há uma quantidade enorme de hipóteses para que a vida exista.
E o contacto?
Também há razões para não haver contacto. Mas já não posso dizer que seja uma questão de fé. Aqueles números que referia... estamos a falar na nossa galáxia. Mesmo que em cada galáxia só exista um planeta com condições, temos 140 mil milhões de galáxias e portanto 140 mil milhões de planetas. Agora o que nós dizemos é que comunicar... As viagens levariam mais anos do que os que temos de vida. Então achamos que as civilizações podem existir e nós não contactamos com elas nem elas connosco. Claro que depois aparecem pessoas que dizem que vêm aí os ovnis e os extraterrestres passear.
E vêm?
Cientificamente achamos muitíssimo pouco provável. Não dizemos que não mas... Agora, outro processo: nós comunicamos nas ondas rádio e se os indivíduos estiverem por aí talvez tenham dado com esse sistema de comunicação, mas podem não ter dado com ele, podem comunicar noutras frequências. Ou, como o Carl Sagan dizia um pouco a brincar, podem já ter dado pela nossa existência e ter chegado à conclusão de que nós estamos para eles como está uma minhoca para nós.
Falou em fé. Tem fé em Deus? Há muitos cientistas que acreditam?
Não. Devo confessar que por volta dos 17 anos fui quase ateu, mas depois, sem nenhum esforço, tornei-me simplesmente agnóstico. É uma questão que não tem que ver propriamente com a ciência. Há cientistas que se sentem bem com essa componente espiritual. Não tantos assim, mas há alguns. Há um indivíduo que é professor catedrático na Faculdade de Ciências, agora já jubilado, que é padre e ensinava Física Nuclear. Saía da faculdade no Príncipe Real e ia à Igreja de São Mamede dizer a missa. Não podemos é querer usar isso como argumento e dizer se aquele cientista acredita em Deus é porque Deus existe, ou o contrário. O lado espiritual está dentro da pessoa, pode contribuir para o seu bem-estar, não vejo mal. Agora, não preciso de Deus para as minhas coisas.

para leitura integral da entrevista siga aqui: http://www.dn.pt/portugal/entrevista/interior/maximo-ferreira-fazia-40-quilometros-de-bicicleta-por-dia-para-trabalhar-e-estudar-5366425.html